Voz do servidor

Anos. Foram anos para decidir. Ainda assim, durante todo o processo, houve momentos em que a vontade era desistir.

Minha mãe tem Alzheimer. Há mais de 15 anos. Aos poucos, bem aos poucos, ela foi se desconectando. Por muito tempo comia com suas mãos, escovava os dentes e fazia outras atividades da vida diária, sozinha. Mas o tempo é inflexível e ela começou a ter dificuldades. Hoje, não nos conhece. Não usa nossos nomes. Quando a chamamos “mamãe”, costuma não responder. Usamos seu nome, Margarida, ou o apelido que o papai sempre usou: Garida.

Em um dado momento ela teve o dedo médio (pai de todos, na linguagem popular) em gatilho, na mão direita. O dedo ficou dobrado sobre a palma da mão, sem condições de ser esticado novamente. Depois, aconteceu o mesmo, com o mesmo dedo, mas da mão esquerda, claro. Mais tarde, o dedo anelar (que se chama assim porque é nele que se coloca, ou se colocava, o anel) e o mínimo (ou mindinho) caíram sobre o dedo médio da mão direita. Desta forma, destra que sempre foi, só tinha o polegar e o indicador em condições de pegarem objetos. Segurar um talher, um copo ou uma xícara, sem chances.

Quanto à alimentação, durante muito tempo comeu de tudo. Depois, passou a não aceitar nada sólido, ou em pedacinhos. Só bolo no café da manhã. Gelatina, ela aceita. Aliás, além de suco de fruta, é só o que conseguimos dar-lhe para hidratá-la. Água, muito pouco e geralmente pela manhã, quando toma o Puran. No mais, é só sopa e mingau ou algum tipo de creme ou doce. Aliás, ela adora doces! Sempre foi uma perfeita formiga doceira! Na sopa, sempre tem algum legume doce para que seu paladar, apurado, com certeza, aceite o alimento.

E tem a fala. Começou a esquecer-se das palavras, parou de formar frases, começou a cantarolar. Uma palavra ou outra. Mas só. À noite, dormindo, às vezes fala uma pequena frase. Mas é só. Pelo que podemos observar, ela compreende, pelo menos em parte, o que falamos. Responde sorrindo ou fechando a cara, quando não está satisfeita. Quando não quer algo, sabe bem dizer “não!”.

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